segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Recuar um passo...

Por Ricardo Tadeu Sá Teles

Conta a história que Lênin, a fim de justificar a sua Nova Política Econômica, disse aos seus camaradas de partido que era preciso “recuar um passo para avançar dois”. Vitorioso internamente, a NEP foi implementada e seus resultados serviram de base ao sucesso do regime comunista, para a frustração daqueles que viam no “recuo” uma descaracterização da vitória de 17. Ao longo do século XX, hábeis políticos souberam recuar em momentos de apogeu para fortalecer um projeto coletivo e depois retornar com a força e a legitimidade de quem se ofereceu como instrumento de um processo e não seu condutor. O exemplo brasileiro mais recente disso foi do presidente Lula que tendo maioria no congresso, amplo apoio popular e a certeza da fácil segunda reeleição, não emendou a constituição e terminou seu mandato com força suficiente para retornar em 2014, caso avalie que deva fazê-lo.

Em Osasco estamos vendo a configuração de um cenário que guarda certa semelhança com o da presidência. O Prefeito Emídio está no seu segundo mandato e possui uma aprovação que lhe garantiria a manutenção no poder. Não pode, porém, concorrer, em razão do que diz a emenda constitucional nº16, mas pode mesmo assim, influenciar decisivamente o processo.

A oposição deverá lançar o ex-prefeito Celso Giglio que obteve na ultima eleição pouco mais de 90 mil votos a deputado estadual1. Sua votação e potencial candidatura, podem ser explicadas pelo recall que a população osasquense guarda da sua figura, sempre presente nas eleições com robustas campanhas.

Do lado do governo um possível e competitivo nome para essa disputa é o do deputado federal João Paulo Cunha. Contudo uma decisão do Supremo pode impedi-lo de participar do processo eleitoral e, ainda que seja absolvido e saia candidato, enfrentará uma campanha focada na crítica ao seu envolvimento na crise política de 2005.

Se para o executivo a escolha de um nome não está sendo fácil ao partido do prefeito Emídio, na câmara de Osasco é ainda mais complexa a definição da estratégia que será adotada. Em 2008 a bancada do PT caiu de cinco para quatro vereadores1 em um universo de 21 cadeiras. Naquele ano o partido controlava a prefeitura tal como agora e isso em nada ajudou a ampliar o número de eleitos, portanto a perspectiva para a próxima legislatura é, no máximo, de manutenção no número atual de vereadores petistas.

Colocada, então, a necessidade de pensar 2012 a partir dos quadros partidários disponíveis, é inevitável que se discuta a possibilidade do uso de Emídio na disputa legislativa municipal, de modo a aproveitar sua força para: a) eleger uma bancada numerosa; b) colar sua imagem a do candidato escolhido pelo partido para prefeito; c) manter-se em evidência na cena política para a disputa de 2014 e; d) gabaritar-se como principal nome da boa política osasquense, alguém capaz de disputar um cargo de menor importância para fortalecer o projeto de seu partido.

A Eleição de uma bancada numerosa deve ser uma preocupação central em uma disputa eleitoral, pois caso ocorra a eventual derrota do candidato majoritário, seria possível o exercício de uma forte oposição e o posterior retorno. Em Osasco, nomes petistas derrotados na última campanha à câmara, secretário municipais sem experiência eleitoral, bem como os atuais vereadores do PT, deverão sair candidatos em 2012 ao legislativo e disputarão entre si o eleitorado nos mesmos nichos em que o PT historicamente tem boa votação para a câmara. Cabos eleitorais já comprometidos com vereadores da base (porém de outros partidos) dificilmente serão cooptados para campanhas petistas, tal como não foram em 2008, pois estão na máquina, são governo, possuem certa fatia do poder e sabem que os partidos da base aliada compreendem melhor seus interesses pragmáticos (leia-se “por recursos”) que o ideologizado PT osasquense.

Assim a chance de fazer poucos vereadores na próxima legislatura justifica pensar no lançamento de um político que quebre a lógica do “cada um por si”, que nosso sistema de lista aberta proporciona, e faça uma campanha de unidade, em torno de um nome central ao legislativo, que se eleja e ajude a conquistar um maior número de cadeiras. Para ilustrar esse tipo de tática poderíamos usar algum dos esdrúxulos exemplos do último pleito, porém há dois casos mais relevantes ao argumento deste artigo. O primeiro é o da campanha de José Dirceu para deputado federal em 2002, em que ele teve destacado espaço na propaganda televisiva do PT e seus mais de meio milhão de votos1 ajudaram o partido a fazer a maior bancada federal que já teve, fundamental no primeiro mandado do governo Lula. O segundo é o da campanha para vereador da capital de José Aníbal (ex-presidente nacional do PSDB e quatro vezes líder do partido na Câmara Federal), onde seus mais de 150 mil votos1 fez muita diferença na divisão das cadeiras e favoreceu a formação da maioria que a prefeitura demo-tucana precisou para aprovar mudanças no arcabouço legal herdado da gestão Marta Suplicy. Dirceu assim que eleito virou ministro. Anibal cumpriu pouco mais de um ano e saiu para ser deputado.

Outro aspecto da candidatura de Emídio à câmara seria tê-lo livre para fazer o corpo a corpo junto com o candidato a prefeito escolhido pelo partido. Enquanto candidato a vereador, Emídio poderia rodar a cidade em campanha, chamando o voto para sua dobrada com o prefeito, colando sua imagem na do candidato ao executivo de modo a que as duas campanhas se confundam na visão popular. Ainda que o coeficiente eleitoral potencial que o prefeito reúne consigo só possa ser mensurado com uma pesquisa muito bem feita, podemos imaginar que seja alto o suficiente para que o partido dobre o número de cadeiras na câmara e que o candidato à prefeito pelo PT saiba o quanto foi decisiva a participação do vereador Emídio em sua eventual vitória.

Há, contudo, uma obstáculo à candidatura de Emídio para a câmara que é a pretensão de seu grupo político na disputa de 2014. É de conhecimento de todos que o prefeito disputou a indicação do seu partido à eleição para o governo do Estado e que, por ter retirado seu nome, foi escolhido pelo candidato Mercadante como coordenador de campanha. Com isso Emídio ficou em evidência na cena política paulista e sair candidato a vereador, pode parecer um retrocesso na sua trajetória. Essa visão esconde uma perspectiva focada no cenário mais próximo, ou seja, “não ocupar cargo público a ocupar um cargo de menor peso”. Em oposição está a defesa de que mais importante que isso, “o líder deve permanecer em evidência”, ainda que em um cargo menor. Para ilustrar como essa estratégia pode ser bem sucedida, podemos usar o exemplo do candidato José Serra que, derrotado em 2002, saiu a prefeito em 2004, se elegeu e se projetou para a disputa do governo do Estado em 2006. A despeito das críticas quanto ao documento assinado se comprometendo a cumprir o mandato, Serra se elegeu governador, com maioria do eleitorado da cidade de São Paulo e ainda ajudou a reeleger seu vice, Kassab em 2008. Se considerarmos ainda que deixar um mandado de prefeito é muito mais grave que deixar um eventual mandato de vereador, não há porque temer um “downgrade” de dois anos, afinal, mais importante que a queda momentânea no grau de poder, é evitar uma vacância do contato de um líder com seu povo.

Por fim, existe o argumento da construção partidária, do sacrifício individual em prol do interesse de uma coletividade, do altruísmo inerente à boa política que, se em alguns gera desconfiança, para a grande maioria exibe o lado humano do homo politicus. A candidatura de Emídio reduziria a luta fratricida entre os concorrentes petistas a câmara, pois obrigaria aos outros candidatos disputar frações menores do voto, um voto mais qualificado, mais comprometido com o mandato do futuro vereador. Emídio seria o responsável pela maior parte da votação do partido, ou seja, conquistaria os votos daqueles que, em 2008, votaram nele para prefeito, mas não no PT para vereador. Os demais candidatos do partido teriam que focar sua atenção em grupos menores, com os quais o diálogo pode ser mais direto, constante, dando a real dimensão do tamanho de cada um. Se extrapolarmos um pouco é possível fazer uma analogia com o que o presidente Lula fez por Dilma na campanha para o senado em 2010. Lula rodou o país apoiando candidatos que, muitas vezes, colocavam o prestígio do presidente em risco, tudo para poder construir uma maioria que desse sustentação a sua sucessora.

Longe de querer dizer o melhor que o partido do prefeito Emídio deve fazer, este artigo procurou argumentar que existem múltiplas razões para que não se descarte uma possibilidade de candidatura do atual chefe do executivo à câmara dos vereadores. Esse debate, se feito com seriedade, pode-se mostrar útil talvez não para a definição de estratégias de longo prazo, mas sim para a utilização em Osasco de táticas que se mostraram vitoriosas em outros lugares. Estas, contudo, são sujeitas a diversos fatores que seriam impossíveis de listar em um artigo, mas que, no entanto, podem ser discutidos pelos formuladores da estratégia (ou então pelos leitores desse site, postagens serão muito bem vindas).

1 dados extraídos do site do TSE, http://www.tse.gov.br em 07.02.2011.
  
Ricardo Tadeu Sá Teles é estudante de Gestão de Políticas Públicas
e filiado ao Partido dos Trabalhadores de São Paulo.